Tuesday, August 23, 2005

Chamam o Tempo

Não corre. Viaja. Não pára. Fica. E passa. A mão. Mostra. Leva. Oferece. Quem o viu. Quem o vê. Diz tudo. Tudo. Apaga. Muda. Transforma. E tu? Leva-lo? Contigo. Connosco. Viste. Amargo. Árduo. Aceso. Vilão. Amigo. Um livro. Sem papel. Sem palavras. Sem código. Sem signo. Uma rua. Sem sinal. Apenas isso. Rua. Sem marco. Sem traço. Um espaço. Um deserto. Aberto. Sem braço. Sem pega. Rua aberta. Sem prédios. Nem um botão. Nada. Só rua. O tempo. Uma rua sem vista. Passa. Passa. Passa. Deixa passar. Tudo passa. A pé. Devagar. Devagarinho. Como o sofrimento. Talvez. Talvez por isso. Talvez? Talvez por isso o magoem. Porque magoa. Porque não muda. Frio. Mudo. Surdo. Cego. O tempo. O teu. De todos. Sem âncora. Sempre assim. Por aí. Criança. Perdido. Como o vento. Mãos dadas. Sem paragem. Onde o encontras? No relógio. Não vale. Mentira. Não vale. Um conto. É só isso. Simulacro. Mentirinha. Faz de conta. O verdadeiro. Esse. O tempo cru. Não se conta.

O tempo não se conta.

Chamam-lhe tempo. Ao tempo. Ao verdadeiro. Que não se dá conta. Que se espera que passe. Que se quer que não passe. Que se abomina quando. Que se aguarda. Parado. Se perde. Esguio. Delgado. Sem ponteiros. Sem marcas no solo. Sem bitolas. Sem sinos. Só manifestações. É ele. Aí sim. É ele. O tempo. Manifesto. Discreto. A mostrar-se. Nas rugas. Fotografias. Nas coisas perdidas. Nos estragos. Isto funcionava... Era assim... Quando mexia, era...

Se a caverna se fecha. Apaga. Se tuo lá dentro. Te fechas. Se o mundo morre. Se tudo escreve vou-me. Embora. Para sempre. Não adianta. O tempo fica. Não pára. Mas deambula. Passa. mostra. Leva. Só traz para isso. Levar. Tudo morreu? Tu não? O tempo não morre. Abstracto. E directo. A contar-te. Tum. Tum. Espaço. Tum. Tum. Espaço. Tum. Tum. Bate mais fraco. O coração. É ele. Aqui tão perto. Ao ouvido. A dizer-te. Estou aqui. Tão perto. Não te deixei. Nunca deixo. Mesmo sem teres a luz. Sem teres mais que isto. Um buraco. Eu não deixo. Fico. Parto. Mas volto. Estou aqui. Como o outro. Sempre. O mais forte. Até depois de perderes o sangue. Os ossos. Eu aqui. Sempre.

Por isso lhe chamam tempo. O mestre. Salgado. Distante. Forte. Um Deus maior. Quem vê? Quem sabe? O que é? Sem palavras? Sem palavras. Ninguém sabe. Só vendo. Pelo menos assim.
Chamam-lhe tempo. Para chamar. Para saber. Ter a certeza. Murmurar. Para dentro. Ou num grito. Tempo. E nesse instante sabê-lo. Está aqui. Mas está. Sempre. Basta olhá-lo. Não vês? Tão estranho... Ele está aqui. Aqui mesmo. Não vês? Como fazes com os outros? O Tempo está cá há mais tempo. Não vês?

Chama-o.

Tempo.

Ele vem.

Vem logo. Num ápice. Um instante. Vem sempre. Quando. A quem. Onde. Sem porquê. Vem. Só isso. Aparece. Criança. Aos pulos. Ou como lençol ao vento. Andam juntos, não é?
Andam.

Acho que andam.

Quem me disse. Não sei. Deve ter visto. Por aí. Na rua. Sem pegas nem braços nem traves nem marcos nem sinais. Sem poder agarrá-lo. Senão com olhos. Com os olhos. Do pensamento.
Tempo.
Ah, estás aí...
Obrigado.
Tempo.
Ah, estás aí...

Chamam-lhe Tempo. Chamam-no. Por vezes muitas. Outras. Nem tanto. Tempo. Tempo. Tempo. Estás aí. Mas se o chamam. Será talvez. Talvez mais. Não para sabê-lo. Mas saber-se. Saberem. Estou aqui. Tinha-me esquecido. Talvez... talvez por isso...

Tempo.

Ah, estou aqui.

Obrigado.



(escrito em 204.09.24)

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